quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Há 15 anos, brasilienses esperam por espaços de lazer na orla do Paranoá

18/01/2011 - O Globo - Renato Alves

Uma enorme estrutura de madeira sobre o Lago Paranoá chama a atenção de quem passa pela Ponte do Bragueto. Certamente, a maioria não faz ideia do que se trata. Não há placa próxima ou qualquer informação no tapume em torno da construção. Mas é uma obra pública do Governo do Distrito Federal, um píer de mais de 700 metros de comprimento. Ela faz parte do Projeto Orla, criado há 15 anos, esquecido por mais de uma década, retomado pela administração de José Roberto Arruda (ex-DEM) e estagnado no governo provisório de Rogério Rosso (PMDB), apesar de haver dinheiro garantido. O atual secretário de Turismo, Luís Otávio Neves, anunciou que vai retomar as obras do Projeto Orla (leia entrevista na página ao lado).

Concha Acústica: a imagem de 2009 fica cada dia pior, sem chances de ser um espaço para os artistas
Além do píer, a empreitada perto da ponte de acesso ao Lago Norte previa um calçadão de 720m, quiosques e jardins. Orçada em R$ 2 milhões, a obra deveria ter sido concluída em julho. Agora, não há mais prazo. Rosso deixou o GDF garantindo a continuidade do trabalho, apesar do aparente abandono, com tapumes destruídos e a área em construção constantemente invadida por pessoas que ignoram as cercas e sd placas de acesso proibido. Mesmo cenário apresenta outra obra do Projeto Orla, ao lado da Ponte JK, onde palmeiras foram arrancadas e brinquedos são alvo de vândalos.

Batizada de Beira Lago, a área de lazer perto da Ponte JK custaria R$ 2,1 milhões ao governo local. O espaço teria píeres e calçadões na beira do Lago Paranoá — do início da Ponte JK até o clube da Associação dos Delegados de Polícia (Adepol). Estavam garantidos também estacionamentos públicos (sem número de vagas definido), um parquinho infantil e uma praça com fontes. Além disso, instalação de lixeiras e jardinagem completa, com o plantio de grama e palmeiras e sistema de irrigação. Mas tudo está pela metade, sem condição de uso.

Risco a visitantes
Mesmo com a precariedade, a área sob a mais nova ponte do Lago Paranoá atrai centenas de visitantes nos fins de semana. Muitos passam pelo cercado da obra e circulam pela terra batida. Crianças se arriscam nos brinquedos de madeira inacabados. Não há vigilantes para impedir a invasão e a depredação. “Como tudo aqui em Brasília, só quem tem muito dinheiro tem lazer com segurança e conforto. Essa área está abandonada porque é pública. Veja os restaurantes ao redor, que beleza. São particulares, e os donos sabem investir para atrair a clientela”, observou o aposentado João Carlos Honório, 72 anos, que havia ido ao lago com parentes moradores da Bahia.

No píer em construção sob a Ponte do Bragueto, somente os antigos pescadores da região desfrutam da obra inacabada. “Está muito melhor para a gente porque não precisamos mais ficar no meio do mato, ao lado de ratos, cobras e lixo”, afirma o comerciante Antônio Valceli Alves, 32 anos. Morador da 707 Norte, ele costuma pescar no Lago Paranoá, sempre no mesmo local, todos os fins de semana. “Claro que se ficar pronto, como nos disseram há um tempão, será melhor ainda, pois terá o gramado, lanchonete, tudo bonitinho”, acrescentou. O mesmo espera seu vizinho e companheiro de pescaria, Vanderlei de Oliveira, 55. “Esse aqui é o nosso principal lazer”, comentou.

Planos alterados
O Complexo Beira Lago constava como o Polo 6 do Projeto Orla, mas não previa um espaço gastronômico, como é hoje. No plano original, a intenção era atender às necessidades cotidianas da população vizinha à área, com comércio de pequeno e médio porte, além de centros de lazer com casas de espetáculos e uma marina.

MEMÓRIA
Diversão para todos
Idealizado em 1995 por meio de lei do então deputado federal Rodrigo Rollemberg (PSB), o Projeto Orla visa dar vida às margens do Lago Paranoá com a criação de 11 polos culturais que democratizariam o acesso ao espelho d’água. A Concha Acústica, por exemplo, está inserida no terceiro polo. Em princípio, a ideia seria a construção de píeres, hotéis, restaurantes, bares, museus, cinemas, centros tecnológicos e quiosques. Mas até agora pouca coisa saiu do papel. Dos 11 setores, o único que deu certo foi o Pontão do Lago Sul, inaugurado em 2000.


Retomada frustrada
Então vice-governador do DF e secretário de Turismo, Paulo Octávio anunciou a retomada do Projeto Orla em outubro de 2009. Prometeu a conclusão das três etapas nas festividades da comemoração dos 50 anos de Brasília, em um investimento de R$ 22 milhões. Tirado dos cofres do GDF e da União, esse dinheiro seria usado na construção sob a Ponte do Bragueto, na área de lazer da Ponte JK e na reforma da Concha Acústica, inserida em um dos 11 polos culturais (veja Memória) do Projeto Orla. Eles democratizariam o acesso ao espelho d’água, que ao longo do tempo teve as margens tomadas por construções particulares ilegais.

Pelos planos apresentados por Paulo Octávio, a Concha Acústica, totalmente abandonada, ganharia um prédio cultural com quatro salas, preparado para apresentações musicais. A área de 22 hectares também receberia 18 novos quiosques comerciais e um píer para apoio a embarcações e banhistas. Mas a obra nem sequer teve início, apesar de o Ministério do Turismo ter empenhado R$ 17,14 milhões para a reforma da Concha Acústica, por meio da bancada do DF da Câmara dos Deputados. No entanto, segundo o ministério, o GDF ficou devendo alguns documentos para a consolidação do convênio em que entraria com R$ 1,9 milhão.

A mais recente reforma na região da Concha Acústica, construída em 1969, ocorreu em 2003. Na época, o GDF desembolsou R$ 500 mil. A grande área às margens do Lago Paranoá está completamente abandonada há três anos. O mato ocupa o palco, antes frequentado por grandes nomes da música brasileira. As calçadas de pedras portuguesas estão quebradas, os bancos cheios de capim e a fiação elétrica destruída. Nas paredes do palco, rachaduras enormes. Ao redor da área, a situação é ainda pior, com quiosques depredados.

Grandes shows
Projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, o local foi inaugurado bem antes da abertura do Teatro Nacional. Em 1971, recebeu o antológico show de Roberto Carlos, que emocionou 10 mil fãs. Três anos depois, o espaço seria palco de um casamento hippie. Em 1998, abrigou a primeira edição do Porão do Rock. No ano seguinte, um público três vezes maior assistiu, extasiado, à volta da banda Plebe Rude.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Habitação não vai mais entregar terrenos a pessoas de baixa renda

05/01/2011 - Correio Braziliense - Helena Mader

Um dos principais eixos da política no Distrito Federal vai mudar. Com a troca de governo, não haverá mais distribuição de lotes a pessoas inscritas na fila de espera da Companhia de Desenvolvimento Habitacional (Codhab). A partir de agora, o GDF vai financiar a construção de unidades habitacionais, ou seja, os beneficiados receberão uma casa ou um apartamento e pagarão prestações proporcionais à renda familiar. O novo sistema vai funcionar nos moldes do programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal.

Para reduzir o deficit habitacional e acelerar o financiamento de imóveis, o governo fará uma organização da fila, que poderá até culminar com a extinção da lista de espera. O novo secretário de Desenvolvimento Urbano, Habitação e Regularização Fundiária, Geraldo Magela, falou ontem ao Correio sobre seus planos para a pasta. “Queremos reorganizar a demanda da lista da Codhab, das cooperativas e dos inscritos no Minha Casa, Minha Vida, para que haja uma única porta de entrada e várias portas de saída. Nossa ideia é que haja transparência no processo”, explicou Magela.

Um dos primeiros desafios do novo secretário será recuperar a credibilidade da política habitacional do DF. O sistema caiu em descrédito em 2010, depois que a Polícia Civil descobriu fraudes dentro da pasta. Funcionários da Codhab foram flagrados vendendo lugar na fila de espera por lote e falsificando documentos para vender benefícios aos interessados por terrenos. Cooperativas habitacionais também estavam envolvidas nas irregularidades. Algumas associações vendiam terrenos inexistentes aos seus associados ou cobravam taxas indevidamente, com a falsa promessa de que os contribuintes seriam beneficiados.

Geraldo Magela garante que será feita uma devassa nos processos antigos, para encontrar irregularidades. Cooperativas envolvidas em fraudes serão excluídas dos programas habitacionais, garante o secretário. “Não haverá privilégios para quem quer que seja. Vamos moralizar o sistema, ouvindo sempre sugestões das sociedades e dos interessados.”

Sem improviso
A expectativa do governo com a mudança na política habitacional é melhorar a qualidade de vida dos beneficiados. Hoje, quem ganha lote muitas vezes não tem recursos para construir. Assim, o dono do terreno ergue construções improvisadas, que muitas vezes expõem os moradores a riscos de desabamento, ou acaba vendendo o imóvel doado pelo governo irregularmente.

A legislação proíbe a venda de lotes doados pelo governo por um prazo de 10 anos. Mas muitos dos beneficiados acabam cedendo às ofertas e fazem negócio por meio de contratos de gaveta. Em regiões recém-criadas pelo governo, como as quadras QNR de Ceilândia, é comum ver faixas de anúncio do terreno. Em alguns casos, os preços chegam a R$ 50 mil. “Não adianta só dar o lote. Essa é uma política clientelista. Precisamos garantir que a construção seja segura e que a área tenha a infraestrutura necessária aos moradores. Por isso, decidimos fazer essa mudança na política habitacional”, esclarece Geraldo Magela.

Dos 5.188 lotes entregues pelo GDF nos últimos quatro anos, apenas 1.243 tinham a casa construída. Em 76% dos casos, o governo doou, sem custos, apenas o terreno vazio aos inscritos na fila de espera na Codhab. Além de facilitar o financiamento para a construção de casas, a secretaria também vai atuar prioritariamente em outro eixo: a regularização fundiária de terras.

Será criada uma subsecretaria para tratar exclusivamente desse assunto. Os técnicos responsáveis vão analisar os processos dos 513 condomínios existentes no DF e também tratarão da legalização de terras vazias, com o objetivo de destiná-las a programas habitacionais. Um exemplo disso é a região conhecida como Cana do Reino, ao lado de Vicente Pires. Hoje, seria impossível conseguir financiamento da Caixa Econômica Federal para a construção de casas, já que a área não tem escritura. Com a legalização do terreno, será possível criar 4 mil unidades habitacionais.

Os brasilienses que vivem em lotes sem documentação serão beneficiados pelas novas diretrizes do governo local. “Existem cidades consolidadas, como Paranoá, Riacho Fundo II e Itapoã, por exemplo, cujos lotes não têm registro em cartório, nem escritura. A política de regularização não vai focar apenas os condomínios, mas principalmente essas regiões”, afirma Geraldo Magela. Nos últimos quatro anos, apenas 8.770 escrituras foram entregues pelo governo no Distrito Federal.

Na área de planejamento urbano, o foco prioritário do novo secretário será a revisão do Plano Diretor de Ordenamento Territorial. O Pdot foi sancionado em abril de 2009, mas se transformou em alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade, apresentada pelo Ministério Público do DF. A revisão do Plano Diretor aprovado durante a gestão de José Roberto Arruda foi incluída como uma das metas do projeto de governo de Agnelo Queiroz, registrado no Tribunal Superior Eleitoral.

O secretário Geraldo Magela garante que vai ouvir a população e os deputados distritais, antes de enviar uma nova legislação à Câmara Legislativa. “Defendemos a revisão do Plano Diretor porque não houve efetiva participação popular e por conta dos questionamentos do Ministério Público”, justifica,

Casa própria

O programa Minha Casa, Minha Vida foi criado há quase dois anos, com o objetivo de reduzir o deficit habitacional no Brasil. O programa atende famílias com renda de até 10 salários mínimos, mas o foco é a população que ganha, no máximo, três salários mínimos. O atrativo do programa é oferecer prestações baixas, próximas ao aluguel pago por famílias, para estimular as pessoas a buscarem a casa própria.