sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Revitalização longe de acontecer

19/08/2012 - Jornal Alô Brasília

Um lugar de tranquilidade com ar de interior e ao mesmo tempo detentora de um comércio consolidado. Rodas de amigos na rua aos finais de tarde, jantares luxuosos nos restaurantes à noite. Casas padronizadas, jardins floridos e bem cuidados. Essa é a avenida W3 no início de Brasília, que ficou na memória do pioneiro Hely Valter Couto, de 86 anos. Hábitos que se transformaram em lembranças e que hoje contrastam diariamente com a degradação criada pelo crescimento desordenado, especulação imobiliária, pichações, calçadas desniveladas, comércio decadente, áreas verdes mal cuidadas, dentre outros aspectos que com a dinâmica e o modo de vida da sociedade atual modificaram, para pior, a W3 concebida por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa.

Mineiro do interior e conhecedor de Juscelino Kubitschek, Couto relembra as origens da Avenida W3 e com pesar lamenta o estado de decadência em que se encontra o lugar considerado mais charmoso e badalado do começo da capital. Nos primeiros anos de Brasília, diz o pioneiro, a W3 se tornou abrigo para os candangos que moravam na Cidade Livre, hoje Núcleo Bandeirante. “No começo a Avenida W3 Norte era rodeada de casinhas de madeira. A W3 Sul, forte no comércio e com estacionamento para quem quisesse, teve desde o início as casinhas padronizadas que hoje se transformaram em pensões. Já tivemos muitos carnavais e outros desfiles naquelas pitas, hoje o que vemos é a banalização, o descaso e o fechamento das lojas”, lamenta Couto.

Alfredo Gastal, superintendente do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no DF, também pode presenciar a beleza da avenida W3 no início de Brasília e hoje se decepciona com a decadência. “Eu conheço aquela avenida desde 1968 e a situação em que ela se encontra hoje é assustadora. Ainda mais se analisarmos que Brasília tem apenas 52 e é uma cidade relativamente nova. A necessidade de revitalização é urgente e não é pra fazer uma coisa bonitinha. É pra associar comércio, edifícios, residências de forma harmoniosa”, indica.

Declínio vem se agravando

O declínio da W3 começou há muitos anos e vem se agravando diariamente. Gastal elenca alguns dos motivos para que a essência da avenida fosse modificada com o passar do tempo. “A W3 é uma área que ficou decadente em função das modificações que ocorreram no comércio de um modo geral, com a criação de shopping, a alta motorização de Brasília, a dificuldade de estacionamento, uma série de fatores contribuíram para que ela fosse decaindo”, enumera o superintendente.

A revitalização da avenida é um assunto que vem se arrastando na máquina pública há muitos anos, mas tomou forma no ano de 2002, quando o GDF realizou, em parceria com o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), o Concurso Público Nacional de Ideias e de Estudos Preliminares de Arquitetura, que analisaria e elegeria um projeto de revitalização da W3 Sul e Norte.

Agora, 10 anos depois da escolha da proposta vencedora, nada saiu do papel. De acordo com o superintendente do Iphan no DF há muita dificuldade dentro do governo para a resolução deste problema. Em sua visão, o GDF deve repensar no assunto. “Acredito que para a revitalização sair do papel é necessário pensar em um projeto bastante complexo que não pode estar desassociado do transporte, dos estacionamentos, da reformulação dos becos, da remodelação daquelas lojas. Seria uma padronização; É como um shopping center linear”, planeja Gastal.

Abandono reconhecido

Nas ruas o que não falta são as reclamações, principalmente sobre a dificuldade que os comerciantes têm de se manterem ativos na região. Jornaleiro na W3 Sul há 20 anos, Antônio Lemos se vê de mãos atadas no comércio devido a diminuição de consumidores. “Antigamente tínhamos uma clientela boa, o movimento era grande. Hoje, com a falta de estacionamentos, muitas lojas grandes vão para shoppings ou para as cidades satélites e nós ficamos aqui, sem melhorias e sem clientes”, reclama Lemos.

Aeroviário aposentado e morador da 710 Sul, Ari de Araújo, de 87 anos, diz que passou 41 deles morando às margens da W3. Relembrando os velhos tempos, Araújo se decepciona com as irregularidades e com a falta de zelo pela qual passa o local que lhe rendeu boas memórias. “Quando vim morar aqui na W3, a Norte não tinha nem iluminação. Aqui na Sul tinha muitas lojas, muita gente feliz. Agora falta estacionamentos, segurança e calçamento decente”, aponta.

O comércio da W3 Norte também passa por um processo de diminuição. Muitas empresas, por terem mais incentivos em outros setores do Plano Piloto, ou até mesmo em outras regiões administrativas, se mudam e deixam um vazio na avenida que já foi referência no comércio do Distrito Federal.

Polêmica

Alvo de polêmica, o concurso realizado no ano de 2002 contou com 28 equipes de todo o País, sendo que 14 destas eram brasilienses. O grupo vencedor foi o do professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), Frederico Flósculo.

Formada por ele e mais 12 psicólogos, a equipe foi a única que apresentou um projeto de revitalização da avenida W3 que fosse sustentável e que não precisasse de grande investimento do governo. Na ideia inicial, seria criada um corredor cultural na W3 Sul e Norte que abrigaria 100 entidades culturais que contribuiriam com as obras de recuperação da avenida.

Mesmo sendo vencedor, segundo Frederico Flósculo, houve dentro do governo da época um jogo de interesses e, como a proposta dele não beneficiaria os empresários da construção civil, a revitalização não foi realizada. “O governo queria verticalizar a W3 e como minha ideia era outra, ele tentou desmoralizar o concurso. Foi impressionante a atitude do governo da época. Hoje, apesar de os governos terem mudado, Brasília continua tão provinciana quanto a de 2002. São governos oportunistas que não estão voltados à politica cultural e de comunidade”, alega Flósculo.

Desesperançoso de que um dia o seu projeto seja executado, o professor afirma que é necessário o envolvimento de toda a comunidade na resolução deste problema e a criação de novas ideias para a revitalização. “Hoje a avenida está cheia de remendos e nós sabemos que revitalizar com novos imóveis não dá certo. Tem que haver um processo em que o povo participa. Sem a população envolvida não existe revitalização”, garante.

Segundo Flósculo, a identidade inicial da W3 não é possível de se recuperar com as revitalizações e, caso seja feita a obra, será uma outra avenida, com novos costumes e novos modos. “Os jovens de hoje são diferentes e se algum dia houver a revitalização vai ser com a cara deles. A de antes não volta. A nova pode ter uma cara culta, cosmopolita, cultural ou pode ser o maior desastre do Brasil, caso não seja feito estudos”, prevê o ganhador do concurso de revitalização.

A Administração de Brasília foi procurada pelo Alô Brasília, no período de uma semana, e no fechamento desta matéria limitou-se a dizer que não possui nenhum projeto de revitalização em andamento ou em estudo.
 

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