quarta-feira, 19 de abril de 2023

Estaca Zero

O ponto de irradiação do projeto de Lúcio Costa


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Introdução

Brasília foi primeiro pensada na alma para depois ser escrita no chão do Planalto Central. Diferente de um arraial, vila ou cidade que nasce de um processo histórico a partir do encontro de pessoas num determinado local em função de um elemento aglutinador, a nova capital do Brasil foi criada e representada graficamente primeiro no papel, a partir de conceitos modernistas e da atividade criadora de Lucio Costa. Ao ser plantada no chão do Cerrado, o processo para sua locação previa a existência de um ponto central, o entrecruzamento dos Eixos Rodoviário e Monumental, identificado na cartografia como a Estaca Zero. A partir desse ponto todos os elementos urbanos se irradiariam. Localizá-lo no chão era fundamental para determinar toda a organização espacial da cidade-capital. Nesta exposição, nos propomos a apresentar alguns momentos da construção de Brasília relacionados à Estaca Zero.

 
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Eixos que se cruzam na intuição de Lucio Costa

A posição onde seria plantada a Estaca Zero no momento em que a cidade fosse locada no chão do Planalto Central já podia ser deduzida do projeto descritivo de Lucio Costa: os eixos que se cruzam. Nesse sentido, poeticamente afirmava que Brasília “nasceu do gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz.” [1]  Ao colocar a cidade no chão, lá estava a Estaca Zero, no entrecruzar dos eixos, como um coração a irrigar a cidade que nascia.

[1] Projeto do Plano Piloto de Brasília – texto original de Lucio Costa.


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A importância da Estaca Zero

Fincar a Estaca Zero na construção de uma cidade é o mesmo que definir o ponto a partir do qual tudo será referenciado. Todos os componentes da urbanização da cidade são espacialmente definidos e calculados a partir desse ponto irradiador. Somente com a implantação de uma Estaca Zero, as escalas urbanas definidas no papel poderiam ser transferidas para o chão do Cerrado

 
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Dificuldade em estabelecer a Estaca Zero no terreno

Uma das primeiras dificuldades na implantação do plano piloto de Brasília foi estabelecer onde se iria cravar a Estaca Zero no solo da Fazenda Bananal. No mapa, a equipe da Divisão de Urbanismo da NOVACAP tinha conseguido definir, a partir de imagens aéreas e das curvas de nível do terreno, onde a cidade ficaria. Contudo, somente o trabalho dos topógrafos garantiria que as coordenadas que estavam no papel fossem corretamente locadas no terreno.


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Estaca Zero: um bom casamento com Brasília

Tudo dependia da Estaca Zero e Israel Pinheiro pressionava a equipe encarregada do projeto de Lucio Costa para entregar a planta da nova capital. O engenheiro Augusto Guimarães Filho, escolhido por Lucio Costa para implantar o projeto urbano da nova capital, comenta: “Então eu tinha que plantar a Estaca Zero, e só eu! Queria fazê-lo da melhor maneira possível, um bom casamento com Brasília! Ninguém sabia, ninguém me dizia o que tinha que fazer. Doutor Israel queria a planta e eu queria botar a Estaca Zero”.[2]

[2] GUIMARÃES FILHO, Augusto. Depoimento – Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal, 1989.


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Estaca Zero e uma sugestão insensata

O dilema em relação à colocação da Estaca Zero chegou a tal ponto que o chefe da Divisão de Urbanismo da NOVACAP, engenheiro Augusto Guimarães Filho, confessa terem lhe sugerido para colocar em qualquer ponto: “Havia uma pessoa, que eu não vou citar nome, que disse: ‘Coloca então; atende Israel Pinheiro! Coloca em qualquer lugar’! Eu dizia: ‘Bom, o senhor assume, é meu chefe, o senhor bota o dedo aqui, é aqui. O senhor é que sabe’. Isso, nesses termos, não estou exagerando.” [3] Felizmente, para o bem da cidade que nascia, só passou à história como uma sugestão insensata!

[3] GUIMARÃES FILHO, Augusto. Depoimento – Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal, 1989.


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A escolha do topógrafo da Estaca Zero

Israel Pinheiro, Presidente da NOVACAP, sempre atento a tudo, percebeu o problema enfrentado pelo chefe da Divisão de Urbanismo da NOVACAP. A colocação da Estaca Zero precisava de alguém que conferisse os cálculos enviados do Rio de Janeiro e tivesse a capacidade de procurar as coordenadas geográficas na imensa planura daquele suave declive em direção ao Rio Paranoá. Sem avisar, Israel Pinheiro mandou para o Rio de Janeiro o engenheiro e topógrafo JOFFRE MOZART PARADA, chefe da equipe de Topografia da NOVACAP. Naquele dia a Estaca Zero ganhou o responsável por sua locação no chão do Cerrado.
 

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O Vértice nº 8 e a Estaca Zero

Estava resolvido quem colocaria a Estaca Zero no terreno: JOFFRE MOZART PARADA. Era necessário, agora, procurar as coordenadas de Latitude e Longitude para definir onde ficaria a Estaca Zero. Usando o marco geodésico Vértice nº 8 instalado pelo IBGE, que se encontrava no ponto mais alto da cidade, ao lado do Cruzeiro, Joffre Mozart Parada calculou e estabeleceu onde deveria ser fincada a Estaca Zero. Brasília nasceu a partir do Vértice nº 8 do Cruzeiro e foi irradiada a partir da Estaca Zero. Atualmente o Vértice nº 8 pode ser visto ao lado da Praça do Cruzeiro em concreto e pintado com tinta laranja.


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O dia em que se fincou a Estaca Zero

No dia 20 de abril de 1957, Joffre Mozart Parada e sua equipe, cientes do momento histórico que era a implantação da Estaca Zero, tiraram uma foto memorável diante do Cruzeiro. Começando aos pés do cruzeiro, a equipe, que previamente havia aberto uma clareira cortando em linha reta o suave declive, foi fincando estacas seguindo em direção ao nascer do sol. Da equipe de topografia, quem ficou com o privilégio de fincar no chão a Estaca Zero foi o engenheiro e agrimensor Ronaldo de Alcântara Velloso.[4]

[4] Entrevista de Jethro Bello Torres para o Programa de História Oral do Arquivo Público do Distrito Federal. Conteúdo filmado.


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Estaca Zero e o Cruzeiro de Brasília

A linha de estacas plantadas no chão até à Estaca Zero tinha como ponto de partida o Cruzeiro, local mais alto do sítio onde Brasília estava sendo construída. Aquele traçado de estacas entre o Cruzeiro e a Estaca Zero uniu a primeira cruz plantada na nova capital ao ponto irradiador da urbanização de Brasília, que começava a nascer. O Cruzeiro primitivo se unia à cruz dos eixos da inspiração original de Lucio Costa: “dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz.” [5]

[5] Projeto do Plano Piloto de Brasília – texto original de Lucio Costa.

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Estaca Zero e a movimentação de terra

Exatamente na Estaca Zero, no encontro dos Eixos Rodoviário e Monumental, iria ser construída a Rodoviária Central da nova capital e vários outros elementos urbanos previstos no projeto de Lucio Costa. Um dos maiores problemas enfrentados após ser fincada a Estaca Zero foi a enorme movimentação de terra exigida para que naquele ponto “Zero”, de irradiação da cidade, as pistas do Eixo Rodoviário e Monumental fossem construídas em níveis diferentes, evitando-se cruzamentos e facilitando a circulação.


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A terra da Estaca Zero criou a Esplanada dos Ministérios


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Uma maquete para o cruzamento na Estaca Zero

A dificuldade de compreensão de todos os elementos que seriam construídos em diversos níveis na Estaca Zero – rodoviária, mezanino da rodoviária, jardins, viadutos e túnel – levou à produção da única maquete das vias urbanas de Brasília. Recorda o engenheiro Augusto Guimarães Filho: “Só fizemos uma maquete do Eixo Rodoviário, no cruzamento da Estaca Zero, da Estação Rodoviária. Só fizemos aquele. Porque nem o presidente entendia muito bem como eram aqueles três planos. Então nós fizemos uma maquete desmontável.” [5]

[5] GUIMARÃES FILHO, Augusto. Depoimento – Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal, 1989.


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Estaca Zero e a criação da primeira “Asa” de Brasília

Segundo o texto “Memória de Cálculos da Urbanização de Brasília – Resumo e Formulário Técnico” a primeira linha de estacas para o zoneamento da cidade que partiu da Estaca Zero, após a locação das coordenadas topográficas do Eixo Monumental, foi a fila de estacas para a locação da Asa Sul. Diante da necessidade de dar nome aos eixos para que as informações entre as equipes pudessem ser executadas no solo, foi Moacyr Gomes e Souza, chefe do Departamento de Viação e Obras da NOVACAP, quem batizou de “ASA” o eixo central que se estende ao Norte e ao Sul do Eixo Monumental de Brasília. [8]

[8] GUIMARÃES FILHO, Augusto. Depoimento – Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal, 1989.


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Estaca Zero e o “Buraco do Tatu”

Atualmente, o local da Estaca Zero está situado na pista que corre dentro do túnel abaixo da Rodoviária Central, batizado popularmente, por inspiração a partir de um animal típico da fauna do Cerrado, como “Buraco do Tatu”.  Os milhares de carros que passam por ali todo dia nem imaginam que foi com base em uma “Estaca”, plantada onde hoje está aquele túnel, que se irradiou o projeto urbano, revolucionário e criativo, do arquiteto e urbanista Lucio Costa.

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