domingo, 2 de maio de 2010

Mesmo bem-aparelhada, Biblioteca Nacional é prejudicada pela burocracia





Mariana Moreira - Correio Braziliense
Publicação: 02/05/2010 08:18

Ela já foi um monumento vazio em meio à agitação constante da Esplanada dos Ministérios. Hoje, um ano e quatro meses depois de abrir as portas, a Biblioteca Nacional de Brasília ainda não segue o padrão das demais, com incontáveis estantes forradas de encadernações de todas as cores, tamanhos e texturas. Lá dentro, ainda impera o silêncio sepulcral de jovens estudando, concentrados. É possível ver exposições no hall do segundo andar, participar de cursos no auditório, usar um dos 51 computadores disponíveis, levar as crianças para brincar no espaço infantil ou simplesmente se encantar com os corredores envidraçados, que revelam as formas exuberantes do centro da cidade. Ler e fazer pesquisas, porém, é complicado, a não ser que o leitor tenha levado o próprio material: o acervo ainda não está aberto aos usuários.

“Inaugurar sem acervo é muito chato. Os estudantes sentem falta de fazer consultas”, reclama a estudante de jornalismo Nayara Young, 23 anos, que precisa alugar volumes em outros locais e levar até a biblioteca. O que separa os estudantes de suas fontes de pesquisa tem um nome: burocracia. Antes de serem liberadas ao público, as obras precisam ganhar tarjas magnéticas — assim como os tótens de segurança, que avisam caso algum livro seja levado indevidamente.

O Ministério da Cultura tem verba de R$ 2,2 milhões para repassar ao espaço e custear a compra desses equipamentos, de estantes e livros. Mas, para a liberação do dinheiro, a Secretaria de Cultura e a Fundação Biblioteca Nacional precisam assinar um convênio, paralisado por pendências judiciais. Não há previsão para a resolução do problema. “Com esse dinheiro, já teríamos disponibilizado e aumentado nosso acervo”, afirma o diretor da instituição, Antônio Miranda.

Prioridades
Até o momento, cerca de 13 mil volumes foram catalogados e, segundo o poeta e professor que dirige a biblioteca, existem 70 à espera da análise dos funcionários da casa. Miranda diz que o objetivo é aumentar a coleção brasiliana (documentos que tratem de aspectos da cultura brasileira), especialmente a literatura contemporânea, produzida após 1960. Outra prioridade é a coleção brasilianista, de obras que tratam do Brasil, porém produzidas por estrangeiros. Também há interesse em projetos acadêmicos defendidos por brasileiros no exterior, além de livros de conterrâneos que tenham sido publicados em outras línguas. “Nossa biblioteca é híbrida, conta com acervo físico e acervo virtual. Queremos colocar nossos leitores em contato com bibliotecas de todo o mundo”, avisa.

Mesmo sem estantes repletas, a tranquilidade e o conforto do espaço atraem jovens, a maioria se preparando para provas de concurso. “As cadeiras são muito confortáveis”, elogia Erick Amorim, economista de 25 anos. “O espaço é silencioso, as regras são respeitadas e é possível estudar horas sem se dispersar”, emenda o estudante de geofísica Rômulo Arthou, 26. O ponto fraco foi unanimidade entre os entrevistados: todos acham que a biblioteca deveria funcionar até mais tarde. Servidores alegam que seria necessário criar um terceiro turno para atender frequentadores até mais tarde, mas mesmo diante da dificuldade, essa possibilidade não está descartada.

Um outro problema costuma ocorrer horas após o café da manhã ou durante o almoço. Se a fome bater, não adianta procurar: não há lanchonete, cantina ou restaurante para fazer um lanche. Os próprios funcionários admitem que levam comida de casa, caso contrário ficam famintos durante o expediente. “Ou é preciso comprar pipoca do vendedor que fica lá fora”, brinca Erick Amorim. De acordo com a Secretaria de Cultura, o projeto base para o restaurante está sendo alterado, pois o espaço previsto anteriormente era sofisticado e incompatível com a renda de estudantes. A antiga licitação também estipulava que uma única empresa fornecesse alimentação para todos os órgãos de cultura, o que foi considerado pouco democrático. Para resolver os dois impasses, a proposta está sendo revista e o novo processo licitatório tem previsão de começar entre maio e junho.

Segurança, outro caso a se cuidar
O ambiente é silencioso e avesso a conversas de corredor, e talvez por isso a notícia não se espalhe: muitos dos frequentadores da biblioteca já tiveram pequenas demonstrações de que circular pelo local à noite pode ser perigoso. O estudante de administração Felipe Curado, 28 anos, sentiu na pele o risco que as escuras ruelas dos estacionamentos escondem. Há cerca de um mês, enquanto seguia em direção ao carro, percebeu que um homem bem-vestido se aproximou demais. Foi questão de tempo até que o estranho avançasse sobre ele e os dois começassem a lutar.

Capoeirista, Felipe conseguiu se defender, até que um segundo homem entrou na briga. A intenção era levar a mochila em que ele carregava o laptop. A confusão só terminou quando um outro frequentador da biblioteca viu a cena e gritou. Os dois assaltantes fugiram correndo por uma avenida próxima. “Soube na faculdade que uma outra menina que frequenta a biblioteca teve o computador roubado”, revela.

A advogada Priscila Menezes, 28 anos, costuma sair pouco antes de a biblioteca fechar as portas, às 21h. Ela sempre percebe a presença de pessoas em atitude suspeita ou de usuários de drogas nas redondezas. “Uma vez, estava seguindo para o carro e vi uns 10 adolescentes vindo na minha direção. Tive que sair correndo.” Segundo ela, como o estacionamento está sempre cheio, as vagas próximas ao prédio são escassas e é preciso andar por minutos, em meio à escuridão, para chegar ao carro. Sua colega, a advogada Raquel Camurça, 28 anos, emenda que o medo dos roubos e da violência vem gerando solidariedade entre os frequentadores.

Em outra noite, uma outra estudante aproximou-se e perguntou onde ela havia estacionado. As duas acabaram seguindo juntas para o veículo, já que muitos adolescentes usuários de drogas rondavam a área. “Para estudar, precisamos trazer celular e notebook, para pesquisas. Como vamos fazer?”, questiona. “Ou você estaciona perto da cracolândia, da prostituição e dos meninos de rua, ou enfrenta a escada que leva à rua dos anexos dos ministérios, cheirando a xixi e cheia de camisinhas usadas”, aponta Erick Amorim.

O delegado-chefe da 5ª Delegacia de Polícia (responsável pela região central de Brasília), Laércio Rossetto, afirma que não há ocorrências registradas sobre crimes nos arredores da biblioteca. “Ainda não houve nada que justificasse uma ação intensiva”, explica. Os agentes que trabalham na área realizam operações constantes nos setores Bancário, Comercial e no Conic, para coibir a prostituição, além do uso e do tráfico de drogas. Ainda assim, afirma, há muitos andarilhos, vigilantes de carros e moradores de rua circulando por entre os prédios oficiais.

“Mas é preciso que os casos cheguem à polícia. Se nos explicarem as necessidades que a comunidade tem, poderemos atendê-los melhor”, assegura o delegado. Em toda a área central, que compreende a região entre o Memorial JK e o Palácio da Alvorada, 86 policiais civis atuam. A Polícia Militar não deu mais esclarecimentos sobre a questão, mas uma oficial afirmou que casos de abordagens e violência devem ser repassados ao telefone 190, para que os efetivos possam atuar.

ACEITAM-SE DOAÇÕES
A Biblioteca Nacional de Brasília aceita material bibliográfico e iconográfico sobre o Brasil, que tenha sido produzido por autores brasileiros ou estrangeiros, em qualquer idioma. O doador deve preencher um termo de doação e entregar o material na Gerência de Desenvolvimento de Coleções, no 2º andar, Sala 224 da Biblioteca. O espaço funciona de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h. Todo material que não for compatível com a política de arquivamento será doado a outras bibliotecas.

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